sexta-feira, 22 de maio de 2009

Opinião: “Ir para o Acre”

*Por Clélio Rabelo

O Zé Leite dizia que ninguém vem para o Acre impunemente. O curioso é que a frase, sub-repticiamente, denota um sentido preconceituoso, como a admitir que trata-se de uma terra de forasteiros ou de gente de estirpe duvidosa. A assertiva partiu de alguém que hoje é reverenciado como ícone da acreanidade e do jornalismo Aquiri. Não é bem assim.

O direito sagrado de ir e vir é intrínseco a todos os seres. Dá ao homem a liberdade de escolher onde quer viver, trabalhar, constituir família. Exerci esses direitos desde que aportei aqui há 22 anos. O fiz de bom grado e liberto de qualquer amarra pregressa. Me deparei com uma terra e uma gente esplêndidas. Me apaixonei, constitui família e vivi grande parte de meus melhores e piores momentos pessoais e profissionais. Estes antagonismos independem do lugar em que se vive.

Tive o privilégio de vivenciar os grandes momentos do jornalismo acreano e as transformações sociais, políticas e econômicas das últimas duas décadas.

Me exauri em busca do melhor de minha profissão, graças ao que foi possível dadas as condições materiais e humanas oferecidas, e às limitações atinentes à minha atividade.

Pude conviver e/ou entrevistar pessoas de todas as classes sociais e que me fizeram compreender melhor a realidade da qual fui expectador, personagem e agente do processo histórico deste período.

Conheci as histórias, os dramas, mazelas, virtudes, qualidades e defeitos de mendigos, garis, bêbados, prostitutas, trabalhadores braçais ou não – todos assentados na base da pirâmide social.

Nos outros estágios desta mesma escala, fiz o mesmo com funcionários públicos ou privados e personalidades de renome local,estadual, regional e ainda nacionais e estrangeiras: Al Gore (ex-vice-presidente dos EUA), Luiz Inácio Lula da Silva (“O cara”), Fernando Henrique Cardoso, José Sarney, Paulo Maluf, Wanderley Cardoso, Amado Batista, Angélica e tantas outras.

Também me deparei com a maldade humana de um Hildebrando Pascoal (para ficar apenas nesse exemplo). No entanto, filei cigarro de Chico Mendes e conheci as agruras e o trabalho social de pessoas como Bacurau, D. Moacir Grechi, ou artístico de um Betho Rocha e tantos outros ícones da cultura acreana.

Aprendi o sentido das expressões Amazônida e Acreanidade. Revelei, de forma inédita na TV, que o verbete “morrer” significa, dentre outras definições, “ir para o Acre”.

– É esse o cerne da questão.

Ao vir para o Acre, o fiz em busca da vida em sua plenitude. Todavia, ela foi ceifada pela conduta déspota e ditatorial de uma corrente política que eu, desavisada e ingenuamente, contribuí para a assunção ao poder. Capitaneada pela arrogância, prepotência e pela implacável perseguição política e ideológica, essa mesma corrente, há mais de uma década, conduz e direciona os destinos políticos do Acre. – A qualquer custo, a ferro e fogo.

Os senhores Jorge Viana, Tião Viana, Aníbal Diniz, Francisco “Carioca” Nepomuceno, Edvaldo Magalhães e Sérgio Roberto de Souza – além de tantos outros asseclas, abdicaram de todos os ideais de liberdade e justiça social que juntos apregoávamos num passado nem tão distante. Sobreviver profissional e politicamente no Acre dos dias atuais pressupõe abrir mão de nossos valores mais intrínsecos. Significa “rezar na cartilha deles” ou dizer “amém” aos seus ditames.

Minha formação moral e ética não aceita essa submissão. Me rebelei e paguei e ainda pago um preço muito alto por isso. Não me restou outra saída. Me despeço do Acre com a alma, o coração e a família em frangalhos. Fui incompetente para administraressas incongruências e até mesmo os meus conflitos pessoais.

Agradeço profundamente aqueles que foram solidários comigo (poucos). Torço para que os déspotas e obscurantistas sejam efêmeros no Acre. A tão propalada “florestania” significa confinar o cidadão acreano mais carente à imensidão da mata, dissociado de sua integração econômica, política e cultural do restante do país e do mundo.

Isso, em troca de um endividamento externo do governo estadual (erário) de proporções imprevisíveis para o futuro, travestido de obras ornamentais que, se por um lado transformaram cenários dos principais bairros da capital (centro e adjacências primordialmente), em nenhum momento resolveu de forma substancial os verdadeiros problemas da população: o desemprego, a violência, a falta de perspectivas e a reversão substancial do cenário de miséria preponderante na maior parte de Rio Branco e das periferias do interior.

Estes são cenários onde imperam, além de enormes índices de criminalidade, a pobreza e a falta de infra-estrutura. Florestania é a suma de um lema capitaneado por ONGs e entidades estrangeiras difusoras de um discurso inócuo e impreciso, mas que esconde o interesse pela tão propalada internacionalização da Amazônia.

A aldeia global de que falou MacLuhan é outra coisa. Deturparam tudo em nome dos propósitos provincianos de alguns asseclas que não medem esforços para aniquilar aqueles que ousam a se contrapor a suas práticas escusas, funestas e coisas tais.

O Zé Leite também se referia àqueles que chegavam ao Acre “puxando a cachorrinha” para depois se locupletarem. Volto sem a minha, que morreu junto com meus sonhos e ideais. Melhor ter sido assim do que chafurdar da lama onde hoje atola a matilha cuja sanha é alimentada pela cobiça e pelo esquecimento do significado da palavra decência.

*Clélio é jornalista e pai de família
cleliorabelo@pop.com.br

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2 comentários:

  1. COLOCA TEU NÚMERO DE TELEFONE NO BLOG, PRA GENTE TE ACHAR QUANDO PRECISAR, MANO.

    ABRAÇOS!

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  2. Você, caro repórter, é mais um dos perseguidos e banidos da "Florestaniolândia" = Florestania + Disneylândia = Acre, pelos que se apossaram da nossa confiança e esperança coletivas!
    Tem nada não! Ano que vem tem eleição! E será em uma época dessas (eleição) que diremos basta aos falsários da esperança...
    Morte à Florestania! Vida à esperança!!!

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