sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Após trinta anos eles continuam os mesmos

Por Archibaldo Antunes*

Pra mim não existe nada mais irritante que a trapaça intelectual. Sobretudo quando o trapaceiro está convencido de que é mais esperto que o resto dos mortais. É claro que isso, via de regra, não é verdade, e nos comentários a seguir vou provar por quê.

O artigo do ex-governador Jorge Viana (“Trinta anos e um país mudado"), publicado ontem nos quatro diários da capital, será objeto da análise a seguir. Suprimi alguns trechos para não tornar o post cansativo. O resultado é bem extenso, mas creio que vale a pena ler.

O texto dele vai entre aspas; sigo-lhe as pegadas em negrito.

"O Partido dos Trabalhadores faz 30 anos tendo uma história extraordinária para contar".

E outras nem tanto, já que criou o mensalão, pagou por dossiê falso contra adversários, grampeou ministros do Supremo Tribunal Federal, acoitou corruptos, cooptou adversários e não pára de flertar com a censura.

"Mas o sonho não acaba e é preciso seguir mudando este Brasil mudado. Para tanto, o PT deve valorizar os princípios que o levaram a se tornar o maior partido do país, especialmente a ética e a participação política como qualidade da cidadania".

Ética e cidadania viraram palavras ocas na era do petismo. A ética agora é a da conveniência, como não se constrange de alardear o mais pragmático dos companheiros neste artigo; e cidadania virou sinônimo de Bolsa Família, essa excrescência que encurtou o comprimento do cabresto.

"É bom lembrar, sobretudo aos jovens, que a participação faz a política transparente e transformadora, enquanto a corrupção prospera na sombra e a desqualificação da atividade pública é uma espécie de reserva de mercado dos aproveitadores".

Não esqueçam os companheiros que há onze anos não há participação popular no governo deles e menos ainda transparência em sua administração. O governo se nega a exibir a contabilidade de seus gastos, e alguns dados, como os da Segurança Pública, são tratados com absoluto sigilo.

Além do mais, quem desqualifica a atividade pública são os que se encastelam no poder e passam a controlar a imprensa, consagrar aliados e demonizar adversários, e a esquecer que existe uma linha demarcatória entre o público e o privado.

"Recentemente, até os mercados mais refratários às intervenções de Estado fizeram um reconhecimento global à política, pedindo aos políticos solução para a crise mundial criada pelos próprios mercados".

Ah, essa é a parte que mais gosto! Trata-se da autocoroação, de onanismo em público. Jorge Viana é o político salvador, e por isso os empresários devem paparicá-lo, pois dele dependem a manutenção da economia e a felicidade geral.

Ora, a crise econômica mundial contou, sim, com a ajuda dos governos, os maiores interessados em que a marolinha não virasse tsunami. Há décadas o mercado, esse demônio, disponibiliza dinheiro aos governos a preços baixos, o que possibilitou a ascensão de alguns países emergentes, entre eles o Brasil. De onde vem, por exemplo, o dinheiro que o BID empresta ao governo do Acre em seus momentos de aperto (que por alguma razão sempre coincidem com a proximidade das eleições), senão de captações no mercado financeiro? Além do mais, o argumento embute uma noção equivocada, pois se a intervenção estatal fosse a solução, a Venezuela não seria o grandiloqüente fracasso do esquerdismo na América Latina.


"Da política tudo depende, desde decisões para economias mais justas até a concretização de ajuda humanitária nas horas mais dolorosas, como estas vividas agora no Haiti ou aqui no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais".

Neste ponto vou me ater ao que falta no texto e não ao que ele contém. Quando o autor diz “aqui no Rio de Janeiro”, a ausência da vírgula a separar o advérbio de lugar do resto da frase passa a impressão de que o texto vem de lá, da Cidade Maravilhosa, e estando o ex-governador aqui no Acre, é de se intuir que a encomenda veio de longe.

"(...) a prioridade do projeto nacional é indiscutível, mas deve ser trabalhada com inteligência e atentar para o risco do enfraquecimento do PT na base da sociedade. É preocupante que este risco se agrave justamente nos estados mais populosos, ricos e influentes do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais".

Aquilo que é preocupante para os petralhas é muito esclarecedor para mim. A influência do PT está restrita a regiões pobres, onde o governo é o maior empregador, como no Acre, e a população vive pendurada no Bolsa Família, como no Nordeste.

"Não faz sentido o PT não postular o governo em pelo menos um destes estados, pois tal ausência contradiz o próprio caráter nacional do partido".

Claro, já que o caráter nacional do partido tem, digamos, como marco internacional o transbordamento de seu modelo de governar, que coincide com o de Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e Cristina Kirchner (Argentina).

"Na extensão desse problema, nem a forte expressão do PT na região Nordeste impede o PMDB de cobiçar a Bahia, com a força de um ministério de grande importância projetando uma candidatura de enfrentamento à reeleição do governador petista Jacques Vagner. Sabidamente, nosso velho aliado desconversa sobre a Bahia e insiste em Minas, onde também não é governo, mas quer chegar lá ao custo da abdicação da candidatura petista".

Eu li direito? “Velho aliado”, o PMDB? Talvez Jorge Viana esteja confundindo a carreira pessoal, que começou com uma mãozinha de Flaviano Melo, com a aliança de conveniência entre Lula e José Sarney, o maior batedor de carteira da história, segundo o atual presidente – ou foi Fernando Collor quem disse isso? Ah, agora que estão todos juntos é difícil saber quem disse o quê...

"A política de alianças também é indiscutível, mas o malabarismo do seu encaminhamento deve incluir a possibilidade do endurecimento pontual de algumas negociações, como não pode aceitar o “subfaturamento” de espaços políticos importantíssimos, a exemplo do comando da Câmara e do Senado, de ministérios estratégicos e até da candidatura à Vice-Presidência da República".

Aos companheiros menos atentos, vou repetir o que disse o guru de vocês: a política de alianças é indiscutível, entenderam? Não adianta espernear. Narciso Mendes, Orleir Cameli, Flaviano Melo – é tudo gente boa e honesta.

"A aliança com o PMDB é fundamental, mas não se pode negar que seja um casamento de conveniência. O que a faz honesta e politicamente recomendável, é justamente o fato de essa aliança ser celebrada às claras, diante do testemunho público e remetida à aprovação de milhões de eleitores".

Isso de que basta ser "à luz do dia e sob testemunho" para que uma coisa má se torne boa é o argumento mais bisonho do artigo. O autor poderia ter se esforçado mais para nos convencer de que simples raios de sol podem nos livrar dos ácaros da política brasileira.

"A necessidade de fortalecer o projeto nacional pelo equilíbrio das alianças regionais tem a ver com a própria sustentabilidade do PT, como partido político e como condutor de um projeto de desenvolvimento sustentável para o país. O que não podemos é repetir o PSDB, que esgotou seu projeto nos 8 anos que permaneceu no Governo e agora, à falta de um discurso construtivo, apequena o debate e desce a um nível inimaginável para um partido de príncipes".

Ah, a ironia, como é doce... O mais tucano dos petistas, o mais nobre palaciano da política do Acre, até ele tem direito a alguma picardia.

"O PT tem obrigação de ser contemporâneo e capaz de acompanhar as transformações da sociedade moderna, para sua perspectiva de desenvolvimento sócio-ambiental não envelhecer".

Quem envelheceu foi Jorge e Tião Viana no poder. Repararam como um tem cabelos brancos demais e o outro, cabelos de menos?

"Isso me lembra um texto de Affonso Romano de Sant’Anna sobre fazer 30 anos. Dizia que 'chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é preciso ter asas e sobre o abismo voar'. Então é tempo de o PT mostrar a cara, sair às ruas e revelar os sonhos desse Brasil mudado".

Não se pode negar que a aliança com o PMDB seja um casamento de conveniência.

Não sabia que o ex-governador lia Romano de Sant’Anna, poeta e cronista de mão cheia. Achei que Jorge só se interessava pelas lições de Maquiavel, Mao Tse-tung, Lênin e outros da mesma laia. Talvez a leitura da poesia lhe esteja abrandando o coração, daí o mea culpa. Mas apesar do romantismo, seu artigo é o primeiro passo em público na direção dos peemedebistas - coisa que nada tem de poético.

E, ao contrário do que possa parecer, essa perspectiva não constrange Jorge Viana e sua corte – todos sempre tão atentos às conveniências do momento.

*Archibaldo Antunes é jornalista

** O texto foi extraído do Blog Contraponto

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